Artigo publicado originalmente no dia 18 de agosto na Gazeta do Povo
A vida humana é imaterial e seu valor, insuscetível de mensuração. Por isso, em determinadas relações jurídicas em que se sobressai o caráter existencial, o instituto da responsabilidade civil ganha maior destaque, atribuindo às partes deveres e direitos a fim de garantir a preservação da dignidade da pessoa humana.
O ordenamento jurídico brasileiro tutela a vida humana. Engloba o direito à integridade física e psíquica, e o faz tanto na esfera cível como na penal, por meio da imputação de responsabilidade ao médico pelo dano causado.
Deliberar sobre a responsabilidade civil do médico tem se constituído em desafio aos operadores do direito, por diversas razões. A relação médico-paciente tem peculiaridades jurídicas, que transcendem o aspecto patrimonial, representada pelo pagamento da prestação do serviço profissional especializado.
A responsabilidade civil do médico, conforme definido por Judith Martins-Costa, “é efeito de um ato ilícito e culposo, praticado no exercício de suas atividades profissionais, do qual, por uma relação de causalidade, resulta um dano injusto ao paciente”. (MARTINS-COSTA, Judith. Entendendo problemas médico-jurídicos em ginecologia e obstetrícia. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 94, v. 831, p. 106-131, jan. 2005.)
Dessa relação, provêm direitos e deveres jurídicos, tais como direito do paciente em recusar o tratamento e a intervenção médica; direito de sigilo; dever de informar o médico acerca de seu histórico de saúde; dever de observar as prescrições médicas. Deveres e direitos do médico, como o dever de cuidado; dever de sigilo e abstenção; dever de informar; direito de exercer com autonomia e liberdade sua profissão.
Eventual negligência do médico com suas obrigações, no decorrer da atividade, podem ocasionar prejuízos ao paciente de ordem material ou moral e que serão elementos de reparação.
No que tange aos danos decorrentes do ato médico, a clínica ou hospital poderá ser responsabilizada solidariamente com o médico, se esse profissional integra seu corpo médico como empregado ou prestador de serviços.
Contudo, o médico, além de responsabilizado por ato próprio, igualmente responde por fato das coisas que utiliza a seu serviço e por ato de outrem como ocorre quando transfere a prática de sua atividade médica a outrem, ou quando fica responsável pela equipe ou pessoal auxiliar que atua com ele no procedimento médico .
Essa observação é necessária pela centralização da prestação de serviços médicos por hospitais, por meio de planos de saúde, em razão da carência do serviço público de saúde, sendo de cunho contratual, a responsabilidade desses entes, responsabilidade esta que é submetida à área do direito civil e do direito consumerista.
As recentes decisões dos tribunais de justiça vêm indicando que é fundamental estar comprovada a negligencia do médico no ato do procedimento, e a quebra da confiança da relação médico paciente para caracterizar a responsabilidade civil para reparação de danos.
E convém, também, destacar que as entidades de saúde pública e privada igualmente têm o dever de indenizar caso envolvam-se em erro médico, ou descumprimento da conduta médica, inclusive relativo à informação.
Sendo assim, a responsabilidade pessoal do médico por seus próprios atos é reconhecida pelo ordenamento jurídico, e será subjetiva, porque depende da prova de culpa no desenvolver de sua atividade. Já, a responsabilidade dos hospitais privados e públicos, assim como dos planos de saúde, nem sempre depende de prova da culpa para ser reconhecida. A análise de cada caso concreto levará à conclusão de qual será a regra aplicável.
Heloísa Helena Rodrigues Rossi é advogada do escritório Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.