Por Felipo Corvalan, advogado associado no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica
Em 1º de janeiro de 2022, a Síndrome de Burnout foi contemplada com uma nova classificação pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Agora, a Síndrome de Burnout faz parte do CID-11, podendo ser classificada como doença de cunho ocupacional, sendo uma das causas que levam as pessoas a buscar tratamentos de saúde, recebendo o código QD85.
A Síndrome do Esgotamento Profissional ou Burnout, configura um cansaço extremo, que pode se manifestar tanto física, como psiquicamente. Tal distúrbio psicossomático advém do meio ambiente de trabalho, no qual o empregado depara-se com atividades desgastantes, tais como aquelas decorrentes do atingimento de metas e de excesso de atribuições, tudo mesclado com a ideia de uma competitividade desenfreada.
Seus sintomas são diversos e os mais comuns são: falta de energia e esgotamento físico, pensamentos negativos, distanciamento social e mental de atividades profissionais e pessoais, isolamento, redução de eficácia laborativa, entre outros. Sintomas muito comuns nos dias de hoje, onde a globalização, o excesso de informação e precarização das relações de trabalho vêm numa crescente vertiginosa.
Este quadro “penoso” nunca transpareceu tanta contemporaneidade, não é mesmo?
De um lado, trata-se, sem dúvida, de uma vitória sob a ótica do empregado, que possui mais uma ferramenta para combater ambientes de trabalho tóxicos e desgastantes. Pelo lado empresarial, a inclusão da síndrome de burnout significa repensar novos modelos de gestão de pessoas a serem aplicados no negócio. Afinal, projetos funcionam quando as partes vivenciam uma simbiose equilibrada.
A proteção ao meio de ambiente do trabalho, é um direito fundamental tutelado pela Constituição da República, pois se origina do princípio da dignidade humana, fonte primária do constitucionalismo brasileiro, além de também receber proteção do direito internacional.
Nesses termos, o empregado não pode ser interpretado apenas como mero objeto, ou peça de fácil reposição, mas sim, como pessoa humana de valor próprio, que deve ser respeitada, em todos os momentos da relação empregatícia, onde o respeito mútuo e o diálogo, entre as partes, devem ser constantemente observados, construindo, assim, uma relação jurídica saudável, onde a resolução de problemas, seja de ordem pessoal ou administrativa, possa ocorrer de forma amistosa.
A Organização Internacional do Trabalho há tempos acentua que “o termo saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde (…)”. Sob tais premissas, é inquestionável o dever do empregador e seus gestores de zelar pelo ambiente de trabalho e, principalmente, certificar que seja um local seguro e saudável, pois, segundo renomada doutrina trabalhista “é impossível alcançar qualidade de vida, sem ter qualidade de trabalho”.
O art. 16 da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 1254/94, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, ao disciplinar a ação em nível de empresa, dispõe que os empregadores deverão ser exigidos, na medida que for razoável e possível, a garantia de que os locais de trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores.
O trabalho não deve representar mecanismo de retirada de Direitos Humanos e sim de respaldo, observância e reparação no caso de violações, especialmente aquelas atinentes ao Meio Ambiente do Trabalho, ao direito à saúde e à dignidade humana. Todos os membros da sociedade têm esse importante dever, inclusive, o Poder Judiciário, que não pode se esquivar de tal leitura essencial na análise de relações de trabalho.
Mas devemos ter cautela. O burnout, assim como qualquer diagnóstico médico, deve ser apurado por profissional habilitado, e, o paciente que a alega, não está isento de submeter-se a perícia médica/judicial, uma vez que patologias psicológicas podem ter origem multifatoriais e fora do trabalho.
Aparentemente, antagonizar o empregador pode parecer mais fácil, entretanto, em alguns casos, os traumas físicos e psíquicos podem possuir relação apenas com fatores pessoais, alheios ao ambiente de trabalho. Portanto, sempre que os sintomas do burnout forem sentidos, o indicado a se fazer é procurar ajuda médica, visando a descoberta da origem do problema.
Logo, o fato de a doença ter natureza psiquiátrica, não obsta o reconhecimento do nexo de causalidade com o trabalho, mas apenas quando comprovado que a atividade laboral tenha contribuído para o desencadeamento ou agravamento da patologia, constituindo causa para o agravo à saúde da vítima, na forma do disposto no art. 21, I, da Lei nº 8.213/91.
Assim, na hipótese de a conclusão do laudo técnico concluir que a síndrome de burnout possuí nexo causal ou concausal com as atividades realizadas, isto é, ligação direta ou indireta com o trabalho, a partir de agora, o empregador deverá responder civilmente pelo dano causado, na forma da lei vigente.
Ainda é muito cedo para perceber alguma diferença nas demandas judiciais que versam sobre o tema. Importante acompanhar para ver como a sociedade irá reagir nos tribunais nacionais, diante da nova classificação.