ANPD: o que esperar do órgão regulador da LGPD?

Por Lucélia Bastos Gonçalves Marcondes, advogada no escritório Rücker Curi Advocacia

Com um texto normativo baseado na norma europeia de proteção de dados (GDPR)¹, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) entrou em vigor em setembro de 2020 e não há mais como negar a sua aplicação, pois sim, ela já pegou!

O objetivo da norma é proteger os direitos e garantias fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural e, para isso, conta com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que é definida pela própria lei como o órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar cumprimento da lei em todo o território nacional2.

Tratando-se de uma lei geral, são vários os episódios em que o texto apresenta situações a serem regulamentas pela ANPD, deixando a cargo da autoridade assuntos como a definição de padrões e técnicas a serem utilizadas em processos de anonimização, modo de acesso aos dados para a realização de estudos em saúde pública, forma de portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto a pedido do titular dos dados, formas de publicidade das operações de tratamento e outros.

Fica também a cargo da ANPD definir, por meio de regulamento próprio, as sanções administrativas por infração à Lei, observando que tais sanções têm previsão de aplicabilidade a partir de agosto de 2021.

Olhando para o cenário atual, percebe-se um receio das organizações em contactar a Autoridade Nacional para solicitar algum tipo de esclarecimento3 e, assim, atrair para si um olhar de constante fiscalização do órgão administrativo, mas, não é o que se espera. O papel da ANPD é, antes de tudo, o de educar para a proteção de dados e o contato com a Autoridade não enseja atenção para ser fiscalizado.

As palavras dos diretores nomeados da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, Miriam Wimmer, Arthur Sabbat, Joacil Rael, Nairane Rabelo e Waldemar Gonçalves, são de que o perfil da Autoridade é o de criar segurança jurídica e transparência de modo a fortalecer a cultura da proteção de dados através da produção de guias e boas práticas, além da abertura para diálogos, sempre dando espaço para a participação e conscientização popular. Como já afirmado pela própria diretoria da ANPD, o objetivo da Autoridade é primeiramente ensinar, depois advertir para só então aplicar multas e sanções nos termos da Lei, oportunizando sempre a ampla defesa.

O papel da ANPD para o cumprimento da LGPD e para a garantia dos direitos dos titulares dos dados não é dos mais fáceis. Até o momento a Autoridade conta com uma equipe bastante reduzida e um dos motivos está relacionado à contenção de gastos neste momento de crise econômica, sobretudo pela condição do país frente à pandemia de COVID-19. Contudo, o órgão não deixou de mostrar serviço e lançou uma agenda regulatória com atividades a serem desenvolvidas pelos próximos dois anos4.

Conforme publicado pela Autoridade, a agenda é um instrumento de planejamento que agrega as ações regulatórias consideradas prioritárias e que serão objeto de estudo ou tratamento pela própria ANPD.

Foram dez atividades estabelecidas na agenda neste momento inicial. O item número 1 da lista de atividades a serem cumpridas corresponde à publicação do regimento interno. O documento foi produzido e disponibilizado dois meses após o lançamento da agenda, demonstrando que a Autoridade de Proteção de Dados está atuando para cumprir o cronograma por ela estabelecido5.

Outro item a ser priorizado ainda no primeiro semestre de 2021 é a regulamentação acerca da proteção de dados e da privacidade para pequenas e médias empresas, startups e pessoas físicas que tratam dados pessoais com fins econômicos.

É notória a mobilização das empresas que buscam a conformidade com a LGPD, muito embora não sejam todas que possuem aporte financeiro para arcar com vultuosos projetos de compliance e governança.Considerando tal realidade, a LGPD estabeleceu no seu artigo 55-J a competência da ANPD para editar normas, orientações e procedimentos simplificados e diferenciados para que empresas de pequeno porte, bem como iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem startups ou empresas de inovação, possam adequar-se a esta Lei.

São grandes os desafios da ANPD e um dos maiores consiste em coadunar as disposições já existentes que tratam dos direitos e garantias de privacidade e livre desenvolvimento da pessoa natural com as disposições da Lei de Proteção de Dados, na medida em que a LGPD não suprime outras leis que já estão em vigor. Tal conciliação deve ser realizada para atingir a segurança jurídica pretendida pela Autoridade.

Notadamente, percebe-se que há muito trabalho a ser realizado pela ANPD e o que se espera, acima de tudo, é o diálogo aberto com a sociedade para a promoção efetiva da proteção de dados, bem como transparência e prestação de contas das atividades realizadas pelo órgão.

1. GDPR – General Data Protection Regulation. Disponível em: https://gdpr-info.eu/

2. Lei Geral de Proteção de Dados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm

3. II Congresso Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados. GRPR -Erros e Acertos em Portugal.

4. Portaria nº 11, de 27 de janeiro de 2021. Agenda regulatória. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11-de-27-de-janeiro-de-2021-301143313

5. Portaria nº 1, de 8 de março de 2021. Regimento interno da Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1-de-8-de-marco-de-2021-307463618