A criação de uma empresa parte, invariavelmente, da existência de interesses comuns entre os sócios. É a affectio societatis. Porém, esses interesses nem sempre se mantêm os mesmos durante o tempo de existência da empresa. Os interesses dos sócios podem deixar de ser os mesmos, pelos mais diversos motivos: crise financeira no país de origem; crise financeira na empresa decorrente de diversos motivos; desejo de rescisão da sociedade, por um ou alguns sócios; desejo de abertura de novos negócios por um ou mais sócios; etc.
O surgimento de interesses antagônicos é caracterizado como “conflito de interesses” entre os sócios. Certas espécies de conflitos de interesses entre esses sócios podem gerar efeitos graves na sociedade, como até mesmo a exclusão compulsória de um dos sócios; esse excluído perde, inclusive, o direito de a retornar à sociedade.
Por isso, é essencial, quando da criação de uma empresa ou durante o curso da sociedade, que os sócios tomem medidas preventivas para evitar o conflito de interesses e também para regulamentar, entre eles, o que vai acontecer caso tal conflito surja, a fim de proteger a sobrevivência da empresa, ainda que em detrimento da sociedade.
Uma das medidas preventivas mais eficientes é a celebração de acordo de sócios, que pode ocorrer quando da criação da empresa, ou em qualquer momento durante atividades dela. Também podem ser celebrados vários acordos de sócios, com temas diversos ou o mesmo tema, um modificando outro. O importante é que haja combinados claros entre os sócios e que esses combinados sejam escritos e assinados, com algum tipo de registro que sirva de prova futura acerca de sua data e dos signatários.
Nem todo conflito de interesses gera consequências jurídicas, e nem mesmo a exclusão de um ou mais sócios da sociedade.
Sob o ponto de vista jurídico, o conflito de interesses que gera problemas é aquele em que estejam presentes todos os elementos a seguir. Primeiramente, “um agente”: sócio, administrador ou funcionário com poderes formais ou informais para tomar uma decisão em nome da organização, ou para participar de uma decisão ou para influenciá-la; depois, “existência de interesse pessoal extraprofissional”, que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial, conforme possa ou não se expressar em valoração monetária. Pode também ser direto ou indireto, quando beneficie o próprio agente ou outra pessoa que ele assim deseje. Enfim, para que esteja caracterizado não precisa beneficiar o sócio, bastando que beneficie alguém que tenha relação com o sócio; ainda, “o nexo de causalidade” entre o agente e o efeito do ato, que é exatamente a tomada de decisão pelo agente ou sua participação ou influência nela; o último elemento é “o efeito”, que pode ser de três tipos.
Efeito
No caso do efeito, ele é definido por prejuízo, perda ou um benefício menor que aquele que a empresa teria, juntamente com um ganho ou benefício para o interesse extraprofissional do sócio; ganho ou benefício para a empresa, com um ganho ou benefício para o interesse extraprofissional do sócio; ganho ou benefício para a empresa, com uma perda, prejuízo ou benefício menor que o possível para o interesse extraprofissional do agente.
Nesse panorama, é possível identificar que ocorrem conflitos de inter esses em diversas situações societárias, sejam nas relações entre sócios, acionistas, administradores, empregados, clientes, e até mesmo junto a fornecedores de serviços.
A principal causa de ocorrência de “conflito de interesses” entre sócios é a quebra do affectio societatis, que, em casos graves, pode acarretar na exclusão do sócio, principalmente quando um deles comete falta grave no cumprimento de suas obrigações (caput do art. 1.030) ou pratica ato de inegável gravidade, pondo, assim, em risco a continuidade da empresa (art. 1.085).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), por exemplo, manteve o afastamento liminar de sócio, cuja esposa concorria com a sociedade: “Mostra-se temerário o deferimento do pedido de revogação da medida, ante a existência de prova no sentido de que a esposa do sócio que se pretende a exclusão estar concorrendo com a empresa liquidanda no mesmo mercado de flores, configurando, em tese, a verossimilhança do direito devido à quebra da affectio societatis”.
É essencial que seja feita a exata distinção entre um mero erro que desgasta a relação entre os sócios, mas não põe em risco a sociedade; e os atos efetivamente graves que colocam em risco a continuidade da sociedade, ainda que não coloquem em risco a continuidade da empresa em si.
Fim da sociedade
Acaso levada à termo, a exclusão do sócio, independentemente do motivo, deve-se apurar os haveres e pagamentos ao sócio excluído, seguindo o procedimento exposto no contrato social e na lei. Enfim, ainda que um sócio seja excluído, ele não perde os direitos de receber seus haveres de sócio, como distribuição de lucros ou percentual no patrimônio da empresa, por exemplo.
Acaso o contrato social seja omisso, segue-se o procedimento previsto nos artigos 1.031 e 1.032 do Código Civil, sendo que, quanto aos pagamentos, tem-se que “a quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de 90 dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário”.
Por essas razões se faz crucial que o contrato social seja bem elaborado, para prever as hipóteses de exclusão de sócio e de como serão feitas as apurações e pagamentos de haveres e patrimônio. O contrato social pode e deve prever prazos diferentes dos da lei para os pagamentos, a fim de preservar a saúde financeira da empresa.
Já quanto aos haveres, a avaliação deve se aproximar do que seria devido a esse sócio, em caso de dissolução total da sociedade, sendo necessária a verificação do valor real, de mercado, do patrimônio da sociedade, devendo ser computados o fundo de comércio, as marcas, bem como quais bens corpóreos ou incorpóreos integram o patrimônio da empresa.
Portanto, a melhor forma de prevenir os conflitos de interesses e, principalmente, de preservar a atividade da empresa, mesmo quando houver futuros conflitos, é, o quanto antes possível, celebrar acordos de acionistas/quotistas, os quais devem ser escritos, assinados e registrados na Junta Comercial ou no órgão de registro da sociedade.