Debates e benefícios jurídicos em torno dos princípios ESG

Uma análise sobre um tema não tão novo no meio jurídico

Nos últimos anos, não há quem não tenha visto ou lido estas três letras: ESG. A sigla deriva da expressão em inglês Environmental, Social and Governance – em português, Ambiental, Social e Governança (ASG) – e surge principalmente para guiar as condutas das empresas nessas que são áreas estratégicas para todo negócio, reforçando a valorização dos negócios “responsáveis”. Não só isso: as diretrizes ESG também estão diretamente respaldadas na Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), um plano de ação que propõe 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas para construir um mundo mais inclusivo e sustentável. Um compromisso firmado por 193 países, incluindo o Brasil.

Na teoria, a Agenda deve ser cumprida até 2030. Na prática, o cenário é um pouco diferente. É fato que questões como diversidade e inclusão têm estado cada vez mais presentes no dia a dia das empresas no Brasil, haja vista iniciativas como os programas de seleção voltados à equidade racial ou de gênero, por exemplo, adotados recentemente por gigantes como Magazine Luiza, Votorantim, Boticário, Rumo e Gerdau. Mas a maior parte das empresas ainda sustenta sua atuação apenas no “e” da sigla, referente a environmental – ou ambiental, no português.

Ao depositarem seus holofotes apenas sobre essa temática, as empresas perdem a oportunidade de ir além e ampliar o debate acerca da responsabilidade ambiental, eficiência energética e gestão de resíduos. Do ponto de vista social (S), elas abririam espaço também para discutir novas políticas e relações de trabalho, como a inclusão de profissionais de diferentes raças, gêneros e cidadanias, as relações com comunidades, o combate aos assédios, privacidade e proteção de dados. Já do ponto de vista da governança (G), estimulariam a independência e diversidade na composição do conselho de administração, da estrutura dos comitês de auditoria e fiscal, ética e transparência. Assim, as empresas passariam a ser não somente instrumento protecionista do meio ambiente, mas também de desenvolvimento econômico e social.

Dentre outros benefícios intrinsecamente relacionados à adoção de práticas pautadas nos compromissos ESG, destacam-se a fidelização de clientes, o fortalecimento da marca e a credibilidade da empresa.

Fidelização

Cresce no Brasil afora a quantidade de consumidores conscientes. Aqueles para os quais a escolha da marca com a qual irão se fidelizar leva em conta os impactos de cada compra no meio ambiente, se incluem políticas e capacidade para mitigação de riscos ambientais, se a empresa gerencia relacionamentos com seus diferentes públicos (colaboradores, fornecedores, clientes e comunidades) e, em casos mais específicos, se a empresa lida com o controle de riscos, governança e compliance. A fidelização de clientes valoriza a marca.

Fortalecimento

Empresas dos mais diversos portes, até mesmo as startups, enxergam esse investimento em ESG como uma oportunidade, muito mais do que uma obrigação. Já lançaram nos últimos meses títulos de dívidas atrelados a metas de ESG, os chamados sustainability-linked bond (SLB). Dentre elas, a Klabin, o BTG Pactual e a holding Simpar, que agrega logística, proteína animal e usina de etanol de milho. Sem contar o aumento da capacidade de retenção de talentos, outro benefício que se reverte em favor da própria empresa.

É possível, ainda, citar o aumento de rentabilidade em prol da empresa, stakeholders e demais players. Afinal, aquelas que estão alinhadas com os princípios ESG estabelecem metas a serem cumpridas, em ambiental, social e governança, que são calibradas a partir de indicadores-chave de desempenho (KPIs). Esse foco gera a antecipação de riscos e crises.

Credibilidade

Todos esses fatores convergem para o aumento da credibilidade da empresa e, consequentemente, de suas ações, marcas, produtos e serviços. Não é exagero, ainda, destacar que essa credibilidade influencia até mesmo nas avaliações acerca da boa-fé da empresa e seu respeito a outros princípios jurídicos, como o da função social dos contratos, em demandas judiciais cíveis, comerciais e trabalhistas, principalmente, nas quais for ré, sendo um fator relevante para redução de condenações.

No Brasil, não há tabelas nas quais as condenações por danos morais são dimensionadas. Torna-se uma tarefa extremamente difícil para o julgador, como a Ministra Fátima Nancy Andrighi comenta no artigo “O método bifásico para fixação de indenizações por dano moral”, publicado no portal do Superior Tribunal de Justiça.

Dentre outros critérios para o arbitramento de indenizações deste gênero, o Poder Judiciário deve levar em consideração, além da gravidade do fato em si, a culpabilidade do agente. Neste cenário, os princípios ESG adotados pela empresa devem ser levados em conta na medida em que, sendo um dano moral, por exemplo, decorrente de assédio moral originário de preconceito por gênero, a empresa poderá demonstrar quais são suas metas ESG quanto à questão social e seu cumprimento, evidenciando que fez o seu melhor ou até mais do que a média de mercado implementa, para evitar este tipo de dano. O mesmo acontece com relação ao meio ambiente e ao afastamento de responsabilidade, em casos extremos, baseados nas metas de ESG e no seu cumprimento.

No âmbito do direito contratual, é imprescindível que advogados tanto de escritórios quanto de departamentos jurídicos internos se especializem no assunto para melhor prestarem suas consultorias às empresas, seus fornecedores, clientes, funcionários e stakeholders. Obrigações, responsabilidades e penalidades devem ser claramente previstas em contratos, destacados em itens próprios, a fim de se evitar conflitos futuros que poderão ser judicializados.

O assunto é novo no âmbito jurídico e ainda pouco comentado, mas é de extrema importância a incitação do debate nesta área e nos Tribunais sobre os efeitos do ESG, sua influência em contratos e decisões.

IZABELA RÜCKER CURI é CEO do escritório Rücker Curi Advocacia, board member pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IBGC-São Paulo, mediadora ad hoc e consultora da Global Chambers na região Sul. Fundadora da Smart Law, uma startup focada em soluções jurídicas que mesclem inteligência humana e artificial. É mestre em Direito pela PUC-SP e negociadora especializada pela Harvard Law School. Está entre os advogados mais admirados do Brasil, conforme ranking da revista Análise Advocacia 500. Há 25 anos atua como advogada para corporações, é pesquisadora em blockchain e reconhecida pelas práticas de conformidade às normas de proteção de dados. E-mail: izabela@curi.adv.br.