Inadimplência em alta nos condomínios

RIO — A inadimplência nos condomínios do Rio aumentou nos últimos anos. De acordo com um levantamento realizado por uma das maiores administradoras no Estado, a Estasa, a pedido de O Globo, e da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), de 2014 para 2017, a taxa de débito passou de uma média de 5% para 12%.
Tal crescimento de devedores foi impulsionado pela crise econômica, mais acentuada no Estado, que desencadeou uma série de demissões e falta de salários. O diretor jurídico da Abadi, Marcelo Borges, pontua que, no ano passado em especial, este percentual de inadimplência pode ter chegado aos 13%, diante de alguns agravantes do cenário fluminense:
— No Rio, a crise foi mais sensível. Os servidores ficaram com pagamentos atrasados e teve a crise no petróleo, que levou muitas empresas do setor a fechar, resultando no desemprego em massa — destaca.
Em seu estudo, a Estasa considerou os débitos acima de 30 dias. Se fosse levar em conta atrasos de um dia, o percentual passaria a ser de 25%. A maioria dos devedores com mais de um mês tem atrasos superiores a 150 dias (6,5%) — alguns, inclusive, estão na Justiça. A inadimplência entre 30 e 60 dias é a segunda maior, de 2,1%.
Para o diretor executivo da empresa, Luiz Fernando Barreto, a despeito da crise no Estado, dois motivos, em especial, favorecem o elevado atraso no pagamento de cotas condominiais: as multas e os juros por atraso são menores do que as praticadas em outras obrigações, como cartão de crédito, e porque nada acontece ao condômino inadimplente. Ele continuará a usar toda a infraestrutura do prédio mesmo sem estar pagando por ela.
De acordo com Barreto, a inadimplência é mais comum em condomínios maiores, onde as relações entre vizinhos tendem a ser mais impessoais. Nos residenciais pequenos, explica, as pessoas se conhecem e, como são poucos apartamentos, aquele que não paga acaba visado e sua dívida vira um constrangimento.
— Outra característica verificada é que a inadimplência é maior em regiões de novos condomínios, onde os proprietários ainda estão pagando as prestações do financiamento imobiliário. Residenciais com moradores de renda mais baixa também sofrem mais com inadimplência. Esse perfil da população mantém menos recursos guardados para emergências — pontua Barreto.
Quanto pesa no bolso alheio
Assim como uma casa, o condomínio também tem que honrar pagamentos de manutenção. A questão é que fonte de renda é a taxa paga pelos moradores. Logo, se um não paga, são os adimplentes que têm que tapar o buraco dos vizinhos credores. Segundo Barreto e Borges, isso chega a pesar entre 15% e 30% no bolso alheio.
— O condomínio trabalha com rateio de despesas, ou seja, se alguém não paga, falta dinheiro. Nesses casos poderia ser usado o fundo de reserva, mas, na prática quando existe inadimplência são geradas cotas extras para cobrir o saldo não pago até que o valor seja recuperado. Geralmente, atingem os valores que variam entre 20 e 30% para cobrir a inadimplência em casos mais graves. Isto acaba gerando novos inadimplentes — diz Barreto.
Diante de um cenário atípico, segundo eles, os condomínios estão tentando entrar em acordos amigáveis. Gilvan Ferreira, síndico de um prédio na Tijuca há quatro anos, diz que, quando chegou, a inadimplência era em torno de 20%. Hoje, está em 10%.
— A primeira coisa que eu fiz foi verificar o grau de intimidade que eu tinha com cada morador que estava devendo para poder conversar numa boa. Fui vendo o que cada um podia pagar e em quanto tempo, e parcelava em 10, 12, até 15 vezes, porque entendia a situação dele, mas não queria prejudicar o condomínio. Ano passado, muitos servidores entraram em desespero — recorda Ferreira.
Segundo ele, os débitos dos devedores pesam para os demais moradores, mas há uma tolerância maior, pois compreende-se que em muitos casos o vizinho está realmente passado por uma situação difícil.
— Eu entendo que é muito melhor você ganhar algo do que nada. As pessoas compraram a ideia e tem dado certo.
Já o advogado especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino lembra que nem sempre o clima é muito amigável, pois os outros condôminos entendem que também passam por problemas e priorizam o pagamento de suas cotas.

— O que mais vejo são pessoas querendo agilidade na cobrança. Nesse ponto, o síndico, os conselheiros e a administradora têm importante papel, em tentativa de conciliação de interesses. Conversas são e devem ser feitas, cada vez mais, para evitar protesto e ação judicial, o que encarece ainda mais a dívida.
Negociação antes da Justiça
Uma conta atrasada de condomínio pode levar à perda do imóvel. Mas, calma! Há um longo caminho até isso acontecer. Na teoria, a cobrança pode começar no primeiro dia após o atraso do pagamento da taxa condominial. Borges explica que a Lei não define o procedimento da cobrança e que cabe ao condomínio decidir como fazê-la. Contudo, na prática, a flexibilidade e os prazos são maiores e, via de regra, o processo começa com conversas e tentativas amigáveis para quitar o débito.
— O atraso pode ser de um dia, um mês ou um ano, para justificar qualquer medida de cobrança, pois não há prazo mínimo legal. Algumas convenções disciplinam, contudo, uma gradação para a cobrança — explica Quirino.
Geralmente, até um segundo vencimento considera-se o não pagamento como um mero atraso e, por isso, os condomínios costumam enviar um lembrete da conta pendente. Após dois meses, vem a notificação. Até três meses costuma-se tolerar e manter a cobrança internamente. Depois disso é que o condomínio entra com uma ação para cobrar a dívida.
Segundo eles, há dois caminhos processuais. Um deles é protestar a cota de condomínio em atraso e pedir a execução direta de penhora para pagar a dívida, sem prévia ação de cobrança.
— Nessa hipótese, já é pedida a penhora do imóvel caso não seja paga a dívida. Além do protesto, muitos condomínios mandam anotar nos cadastros de crédito, como SPC e SERASA, o nome dos devedores.
A outra forma de cobrar é a tradicional, em que há audiência para conciliação.
— Se for um processo tradicional de cobrança, só quando for executada a sentença é que pode ser pedida a penhora do imóvel, o que pode levar alguns anos. Na execução direta, com base no atual Código de Processo Civil, o devedor tem que pagar de forma imediata, ficando sujeito à penhora do imóvel em poucos meses, a depender da agilidade do cartório. O leilão vai demorar um pouco mais, pois será necessário avaliar o imóvel.
Inadimplentes podem usar áreas comuns
Dívida de condomínio é um assunto sensível: há muitos lados nesta história. De um, estão os moradores que não pagam por má-fé e não estão nem um pouco preocupados em quitar a dívida — esta e nenhuma outra. Mas há também os que estão passando por um momento financeiro difícil e realmente não têm recursos. E há, ainda, os que mesmo em contenção de despesas se esforçam para estar em dia.
Com isso, os ânimos podem ficar alterados e, aos síndicos e administradores, cabe a árdua tarefa de lidar com sabedoria respeitando algumas regras sobre o que fazer ou não com um inadimplente. Por exemplo, não se pode impedir o uso de áreas comuns como a piscina, nem expô-los com um recado no corredor.
Segundo o diretor jurídico da Abadi, Marcelo Borges, o que é permitido, por exemplo, é determinar previamente que somente quem estiver em dia com suas obrigações condominiais é que poderá participar deliberativamente e votar nas assembleias.
— Não se pode cercear as áreas aos devedores. O condomínio tem o direito de cobrar, mas não de impedir a circulação do morador. O que alguns colocam em seus regulamentos internos é que o uso de áreas exclusivas, como o salão de festas, só poderá ser utilizado por quem esteja em dia com a cota condominial. Isto é licito porque o morador normalmente quer usar de forma exclusiva. É diferente de usar elevador ou piscina, por exemplo — explica Borges.
 
Quanto a revelar quem são os inadimplentes, o advogado explica que a relação das unidades devedoras pode constar nas contas internas e dos balancetes, mas não deve ser exposta de forma pública, como em circulares aos moradores ou nas áreas comuns.
— O síndico não pode chegar e mostrar os inadimplentes de qualquer forma. Contudo, se for questionado sobre quem deve, ele tem a obrigação de responder, pois é ele quem presta contas de onde está ou não vindo o dinheiro — acrescenta Borges.
Fonte: O Globo