Por Lama Ibrahim e José Marciano Neto, advogados associados no escritório Rücker Curi
A pandemia da COVID-19 impactou todos os setores da economia, e com o setor de seguros privados não foi diferente. No Brasil, esse mercado foi responsável por 3,7% da soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em 2020 (PIB nacional), conforme levantamento Síntese Mensal, realizado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) com base nos dados das seguradoras.
O levantamento da SUSEP comprova, ainda, que a pandemia teve impacto diverso entre os vários ramos de seguros, dentre eles os Seguros de Pessoas que, em razão de garantir os riscos de morte e incolumidade física do segurado, concentrou grande parte das discussões acerca dos impactos da pandemia da COVID-19 no setor.
Os Seguros de Pessoas são, em uma definição sucinta, aqueles seguros cujo risco recai sobre uma pessoa física. Assim, têm por objetivo garantir o pagamento de uma indenização ao segurado ou aos seus beneficiários, observadas as condições contratuais e as garantias contratadas.
Seguro de Vida, Seguro Funeral, Seguro de Acidentes Pessoais, Seguro Educacional, Seguro Viagem, Seguro Prestamista, Seguro de Diária por Internação Hospitalar, Seguro Desemprego (perda de renda) e Seguro de Diária de Incapacidade Temporária são alguns exemplos de Seguros de Pessoas. Agora, um dos Seguros de Pessoas que vem atraindo cada vez mais a atenção de consumidores mais antenados é o Seguro Viagem.
Regulado pela Resolução nº 315/2014 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), o Seguro Viagem tem por objetivo garantir aos segurados ou aos seus beneficiários uma indenização, limitada ao valor do capital segurado contratado, na forma de pagamento do valor contratado ou de reembolso. Ou, ainda, na forma de prestação de serviços, no caso de ocorrência de riscos cobertos, durante período previamente determinado, nos termos estabelecidos nas condições contratuais.
Coberturas contratuais em tempos de pandemia
Os planos de Seguro Viagem devem oferecer pelo menos uma das seguintes coberturas básicas: Despesas Médicas, Hospitalares e Odontológicas, Traslado de Corpo, Regresso Sanitário, Traslado Médico, Morte em Viagem, Morte Acidental em Viagem e Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente em Viagem. No caso de Viagem ao Exterior, é obrigatória, ainda, a contratação das coberturas Despesas Médicas, Hospitalares e Odontológicas, Traslado de Corpo, Regresso Sanitário e Traslado Médico. Outras coberturas podem ser oferecidas desde que estejam relacionadas com a viagem objeto do seguro contratado, por exemplo: Perda ou Roubo de Bagagem, Funeral, Cancelamento de Viagem e Regresso Antecipado.
Quanto à questão da cobertura para pandemias, o contrato de seguro viagem previa de forma expressa a exclusão dos eventos ocorridos em consequência de epidemias e pandemias. Ou seja, não haveria cobertura para eventuais reclamações dos segurados para fatos decorrentes da doença objeto de um cenário pandêmico.
Trata-se, portanto, de uma exclusão cuja legalidade nos contratos de Seguros de Pessoas é validada pela SUSEP, mas não de exclusão mandatória. Razão pela qual o clausulado aplicável deve ser analisado para que seja confirmada, ou não, a incidência da cobertura securitária.
A exclusão possui caráter técnico bem delimitado: afastar a cobertura para sinistros decorrentes de epidemias e pandemias. Risco, este, com potencial de aumentar substancialmente a sinistralidade das apólices e comprometer a estabilidade financeira e atuarial das apólices e, eventualmente, inclusive das seguradoras.
A determinação se uma doença se torna pandemia é da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto principal agência mundial de saúde. Isto é, são as doenças que têm grande potencial de infecção, pela abrangência geográfica. Por exemplo, quando a COVID-19 deixar de ser integrada como pandemia pela OMS, passará a ter cobertura como outra doença qualquer, o que implica dizer que quem determina a exclusão da cobertura não é a doença em si, mas a sua decretação como pandemia pelo órgão competente.
Isso decorre do fato de que uma pandemia é um risco de difícil previsão e, por consequência, de difícil precificação, o que justifica sua exclusão das coberturas de Seguros de Pessoas, dentre eles o de Seguro Viagem. Até porque a delimitação dos riscos é uma prerrogativa das companhias seguradoras, devidamente respaldada em lei.
De toda forma, à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), não se trata de cláusula abusiva, pois não se encaixa em nenhuma das hipóteses do art. 51 do CDC, justamente por retirar do âmbito de cobertura eventos raros e de consequências incertas, não coloca o segurado, enquanto consumidor, em desvantagem exagerada. Assim, a exclusão de tal risco está de acordo com a limitação dos riscos intrínseca ao contrato de seguro, conforme conceito inserido no caput do artigo 757 do Código Civil.
Neste sentido, em 20 de maio de 2020 foi aprovado o Substitutivo do Projeto de Lei do Senado Federal nº. 2.113/2020, cujo objetivo é alterar a Lei nº. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trata das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da COVID-19. O Substitutivo veio para determinar que o Seguro de Assistência Médica ou Hospitalar, bem como o Seguro de Vida ou de Invalidez Permanente, não poderá conter restrição de cobertura a qualquer doença ou lesão decorrente da emergência de saúde pública de que trata a Lei.
Como se vê, o Substitutivo aprovado não menciona a exclusão de pandemias, anteriormente comentada, mas, de todo modo, torna ilegal a possibilidade de restrição de cobertura no Seguro de Vida ou de Invalidez Permanente para qualquer doença ou lesão decorrente especificamente da COVID-19.
Ainda assim, independentemente da aprovação do Projeto de Lei mencionado, inclusive pelo cenário que não demonstrava estar próximo do fim, algumas seguradoras apresentaram mudanças em sua postura, passando então a permitir a cobertura de eventos decorrentes da COVID-19. Principalmente pelo fato de que determinados países passaram a exigir essa abrangência, acrescido ao interesse dos próprios viajantes, bem como para a retomada do setor de viagens como um todo, bastante impactado pela pandemia.
Nesse contexto, assim como nos Seguros de Vida, diversas seguradoras anunciaram que, para a tranquilidade dos seus clientes, ofereceriam cobertura para clientes que apresentassem sintomas de coronavírus durante o período de viagem. Isso, claro, de acordo com as garantias contratadas e seus respectivos critérios, pois algumas podem conceder garantia apenas para Despesas Médicas e Hospitalares por COVID-19, enquanto que outras abrangem, também, o traslado do corpo.
Diante disso, havendo a intenção de viajar e, consequentemente, da contratação do Seguro Viagem, o consumidor precisa checar quais são as seguradoras que estão oferecendo cobertura para COVID-19, bem como conferir as garantias passíveis de contratação e sua respectiva abrangência para acioná-las junto à seguradora contratada, se for o caso.
A contratação de Seguro Viagem em qualquer traslado, nacional ou internacional, antes, durante, ou pós-pandemia é de suma importância, visto ser mais uma tranquilidade aos viajantes para caso possam vir a precisar de atendimento médico. Quanto aos destinos internacionais, é preciso lembrar que nem todos os países oferecem acesso à rede pública hospitalar a estrangeiros, o que apenas confirma a necessidade de contratar esta modalidade de seguro.