Regulamentação da mediação e da arbitragem envolvendo Administração Pública

Ocorreu, no último dia 18/05, na sede da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a sessão presencial da Audiência Pública nº 04/2018, cujo objeto foi a discussão da proposta para regulação do procedimento de solução de controvérsias entre a ANTT e concessionários e permissionários de serviços dos setores ferroviário e de infraestrutura rodoviáriai.

A proposta da ANTT estabelece um procedimento escalonado de solução de controvérsias, que contempla uma etapa de mediação e outra de arbitragem, que seria aplicável tanto a contratos já existentes quanto a contratos futuros.

A iniciativa segue uma tendência recente de regulamentação da adoção de meios extrajudiciais de solução de conflitos envolvendo entes da Administração Pública, da qual podemos citar como exemplos:

  • Lei nº 13.129/2015, que alterou a Lei no 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem”), incluindo redação expressa sobre a possibilidade de que a administração pública direta e indireta utilize a arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, conforme entendimento que já existia na doutrina e na jurisprudência;

  • Decreto nº 8.465/2015, que dispôs sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário;

  • Lei nº 13.448/2017, que estabelece diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de concessão (comum, patrocinada, administrativa ou regida por legislação setorial), permissão de serviço público, arrendamento de bem público, concessão de direito real e outros negócios público-privados semelhantes, nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal.

E, ao que tudo indica, novos instrumentos surgirão. Atualmente, está em trâmite uma série de projetos de lei que tratam, ainda que tangencialmente, da resolução de conflitos envolvendo a Administração Pública por arbitragem e mediação, tais comoii:

  • PL 6814/2017, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, estabelecendo expressamente a possibilidade de inclusão de mecanismos de solução de controvérsias por arbitragem e mediação nos instrumentos convocatórios;

  • PL 622/2011, que, ao instituir o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, faz constar expressamente a possibilidade de utilização da arbitragem como método de resolução de controvérsias entre os acionistas da companhia;

  • PL 10061/2018, que possibilita a opção pela mediação ou pela arbitragem para a definição dos valores de indenização nas desapropriações por utilidade pública. Com objetos bem semelhantes, existem também o PL 6905/2017 e o PLS 444/2013.

As iniciativas mencionadas são bastante uniformes, possuindo muitas vezes dispositivos idênticos ou bem semelhantes em conteúdo e em redação, motivo pelo qual tendem a compartilhar dos mesmos méritos e deméritos.

No caso da ANTT, aliás, a nota técnica que acompanhou a proposta cita, como referência do projeto, a experiência de agências reguladoras de outros setores, especialmente a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), muitas vezes alvos de críticas.

A minuta apresentada pela ANTT reflete as influências das recentes regulamentações. Dentre os pontos louváveis, destaca-se o reconhecimento do caráter disponível de questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, às indenizações decorrentes da extinção ou transferência do Contrato e ao inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer das partes, incluindo penalidades e execução de garantias, em linha com o já estabelecido na Lei nº 13.448/2017.

A proposta da ANTT, contudo, inova, conferindo caráter taxativo à lista e estabelecendo que as hipóteses não previstas somente poderão ser resolvidas por arbitragem mediante assinatura de compromisso arbitral, ou seja, mediante acordo celebrado após o surgimento da controvérsia, o que restringe o âmbito de aplicação da arbitragem.

Ademais, a análise de quais conflitos seriam arbitráveis ficaria a cargo exclusivo da ANTT, violando o princípio da competência-competência já sedimentado no direito brasileiro, o qual dispõe que é o tribunal arbitral quem decidirá questões relativas à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e não uma das partes do conflito.

A proposta da ANTT também reitera dispositivos que já constavam na maioria dos instrumentos normativos mencionados acima, como, o relacionado ao pagamento das custas do procedimento: independentemente de quem seja o requerente, o ente privado terá que adiantar a totalidade de custas do procedimento arbitral. Estes somente serão reembolsados caso a Administração seja sucumbente em sentença arbitral, que se sujeitará, ainda, ao regime de precatórios.

A justificativa para essa postura é que tais desembolsos demandam previsão orçamentária, que restaria prejudicada pela falta de previsibilidade em relação ao início de eventual arbitragem. Certo é que essa medida poderá implicar em excessivo ônus financeiro sobre o ente privado.

Além disso, em dispositivo bem semelhante ao do Decreto nº 8.465/2015, a minuta proposta pela ANTT estabelece que somente poderão atuar como árbitros brasileiros ou estrangeiros com visto de trabalho no Brasil. A exigência, que não traz qualquer benefício para o procedimento arbitral, limita de forma injustificada a atuação de profissionais estrangeiros, o que não é recomendável quando se busca se afirmar no cenário internacional, como faz o Brasil.

No que tange o procedimento de mediação, apesar da elogiável preocupação da ANTT com o estabelecimento de prazos para essa etapa, evitando que seja usada como mecanismo para obstar a célere solução do conflito, a proposta não estabelece critérios para definição das regras pelas quais se pautará o procedimento de mediação, criando insegurança na escolha do método para a solução de eventual conflito, inclusive em relação à seleção do mediador.

Críticas à parte, o recente movimento de regulamentação tem o mérito de incentivar o uso, no âmbito da Administração Pública, da mediação e da arbitragem como métodos de solução de conflitos, os quais apresentam diversos benefícios em relação ao contencioso judicial, em virtude da maior celeridade e do controle pelas partes que proporcionam.

A arbitragem possibilita também que as partes obtenham um julgamento mais técnico pela possibilidade de escolha de árbitros com base em suas especialidades, o que pode ser uma grande vantagem para contratos administrativos, que costumam ser complexos e envolver matérias setoriais de cunho técnico. A mediação, por outro lado, tem a grande vantagem de propiciar o desenvolvimento de uma solução consensual, além de possuir um custo bem inferior tanto ao da arbitragem quanto ao do contencioso judicial, representando uma economia aos cofres públicos.

A incitativa revela, ainda, o nobre objetivo da Administração Pública de conferir maior segurança jurídica à utilização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos que envolvem entes públicos, reduzindo, assim, custos transacionais relacionados a essas disputasiii.

Para que se atinja esses objetivos, porém, é indispensável a devida cautela para que os instrumentos de regulamentação sejam integralmente compatíveis com a legislação vigente e com as melhores práticas nacionais e internacionais.

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i Para os interessados, o procedimento de Audiência Pública nº 04/2018 estará aberto até o dia 18/06, sendo que eventuais contribuições podem ser feitas por via postal ou no endereço eletrônico da ANTT, onde está disponível a minuta resolução e outros documentos relacionados: http://portal.antt.gov.br/index.php/content/view/53586.html.

ii O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) possui pareceres sobre grande parcela dos projetos de lei em tramitação e que envolvem temas relacionados à arbitragem, disponíveis em: http://cbar.org.br/site/pareceres-em-relacao-a-projetos-de-lei/

iii Aliás, o aumento da segurança jurídica e a redução de custos transacionais são justificativas expressas da proposta da Audiência Pública nº 04/2018, conforme nota técnica que a acompanhou.

Fonte: Jota