Sucessão familiar: a troca de gerações nas empresas se tornou ainda mais difícil com a pandemia?

O estado generalizado de incertezas, causado pela pandemia da covid-19, dificulta ainda mais o que já não era fácil: a sucessão familiar, isto é, a troca de gerações em uma empresa, de um parente para outro. Longe de ser impossível, a prática ganhou contornos mais complexos, com a necessidade serem postas soluções mais criativas do que o comum.

Algo que costuma ser feito – e convém evitar – é a troca de gerações “de pai para filho” diretamente, sem que outros sucessores, como os de uma geração mais próxima ao “pai”, tenham assumido. Isso porque a experiência demonstrou que o recomendável é a sucessão ser realizada por etapas: primeiro, a sucessão por profissionais que não fazem parte da família, por tempo determinado, prorrogável ou não, até que os familiares seguintes estejam preparados em termos acadêmicos e práticos no dia a dia da empresa; depois, a sucessão focada no sucessor familiar, já mais preparado e vivido, com objetivo de ser definitiva. Chamamos de sucessão escalonada.

Assim, o planejamento sucessório tem maiores chances de sucesso, com uma transição menos radical. As primeiras dificuldades advindas da quebra de paradigmas na troca na alta gestão da governança não impactarão o sucessor familiar e, sim, a “primeira onda” de sucessão. Dessa forma, os ajustes poderão ser feitos com o acompanhamento próximo e os princípios dos gestores originários, com todos os conflitos que são naturais desta fase de mudança primária. 

Antes de ser iniciada qualquer sucessão, a empresa deve passar por uma revisão documentada da política de alçadas de cada cargo; revisão da descrição profissionalizada (o chamado “RH estratégico”) de cargos e responsabilidades nos níveis mais altos e, pelo menos também do intermediário, da governança. Deve ser elaborada e/ou revisada, ainda, a política de compliance.

Nesta fase de preparativos prévios à primeira etapa de sucessão, os candidatos à primeira e segunda etapas da sucessão, se possível, já devem participar. É recomendada a criação de comitês – formais e documentados – dos quais eles participem. Recomendamos que essas políticas sejam documentadas mas saiam do papel. E que os comitês não sejam operacionais, mas, sim, estratégicos.

Com a pandemia, porém, a situação de incerteza também exalta os ânimos nas negociações e as técnicas de comunicação não violenta e escuta ativa se tornam ainda mais indispensáveis. Nada disso impede a continuidade dos planos de sucessão. Exige, sim, a revisão e adaptação dos planos nessa realidade VUCA (Volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) aumentada em tempos de crise de saúde, economia e política.

Essa fase demonstrará bastante sobre os pontos fortes e de melhorias de todos envolvidos, gerará entrosamento e, principalmente, evidenciará o que deverá constar nos acordos de sócios. Acordos de sócios são o ponto crucial para evitar ou solucionar futuros conflitos. Devem ser, necessariamente, celebrados antes e revisados durante qualquer sucessão.

Recomenda-se que a empresa, já no início do planejamento da sucessão, selecione e posicione um mediador à postos.

A mediação é um método alternativo de conflitos, que se mostra bastante eficiente, até em relação à arbitragem. Na arbitragem, as partes renunciam a eventualidade de uma disputa judicial, mesmo que não satisfeitas com a solução arbitral. São raras as hipóteses em que pontos da arbitragem podem ser levados ao Judiciário. Na mediação, não há esta limitação. Por isso, a experiência também demonstra que prever, no acordo de sócios, a aplicação de mediação em caso de conflitos, blinda a empresa de sofrer as consequências de disputas entre eles. 

Além disso, em paralelo nada impede que o acordo de sócios também estabeleça, se for o caso, a utilização da arbitragem, na hipótese de não haver consenso nem com a mediação.

Em resumo, a pandemia pode realmente aumentar a temperatura de discussões que naturalmente surgem quando o assunto é sucessão familiar. Mas existem técnicas à disposição para remediar esta situação, como: a sucessão escalonada, criação de comitês que envolvam os candidatos que posteriormente serão os sucessores em etapas, a contratação de consultoria jurídica para apoiar a empresa e os sócios na formatação do planejamento sucessório e elaboração de acordo de sócios, com ou sem mediação.

Logo, o processo de sucessão inevitavelmente trará à tona alguns problemas. Porém, com planejamento e timing apropriado, essa transição pode ser feita da forma menos prejudicial possível. Toda mudança em um negócio é sentida por colaboradores, mas com uma boa assessoria jurídica ela é executada de forma sutil e sem ônus às empresas.

Izabela Rücker Curi é Mestre em Direito pela PUC-SP e negociadora especializada pela Harvard Law School. É CEO do escritório Rücker Curi Advocacia, board member pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa IBGC-São Paulo, mediadora ad hoc e éstá entre os advogados mais admirados do Brasil, conforme ranking da revista Análise Advocacia 500. Foi indicada para a edição de 2021 do Best Lawyers e pela International Acquisition (AI) – South America Business Awards 2020.